A relação entre poder público e concessionárias de energia no Brasil entrou, nesta semana, em um dos seus momentos mais críticos. Em uma articulação conjunta inédita, o Governo do Estado de São Paulo, a União e a Prefeitura da capital anunciaram que irão solicitar formalmente à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a decretação da caducidade do contrato da Enel, responsável pela distribuição de energia em 24 municípios paulistas. Trata-se da sanção mais severa prevista em contratos de concessão e, na prática, representa o pedido de encerramento compulsório da operação da empresa.
A decisão foi tomada durante reunião no Palácio dos Bandeirantes, liderada pelo governador Tarcísio de Freitas, com a presença do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes nesta terça-feira, 16 de dezembro. O movimento ocorre após uma sequência de episódios de interrupções prolongadas no fornecimento de energia, agravados por eventos climáticos extremos, que deixaram milhões de consumidores sem luz por dias.
Desde já, o Diário de São José faz uma ressalva importante: o contrato em análise não inclui São José dos Campos nem municípios do Vale do Paraíba. O tema, portanto, é tratado em âmbito nacional, tanto pelo seu peso institucional quanto pelo precedente regulatório que pode estabelecer. Entre agora no canal oficial do Diário no Whatsapp e receba notícias em tempo real.
A caducidade como último recurso do Estado
A caducidade é considerada a medida extrema dentro do regime de concessões públicas. Ela só é aplicada quando o poder concedente entende que a empresa não tem mais condições técnicas, operacionais ou financeiras de garantir a continuidade do serviço. Ao defender o pedido, o governador Tarcísio de Freitas foi direto ao classificar a situação como insustentável.
Segundo ele, os problemas recorrentes de restabelecimento de energia, a perda de confiança da população e o histórico recente de falhas configuram um cenário grave. O governador citou o episódio mais recente, iniciado em 9 de dezembro, que deixou cerca de 2,2 milhões de clientes sem energia, com restabelecimento que se arrastou por mais de cinco dias em algumas regiões. Situações semelhantes, segundo o Estado, já haviam ocorrido em 2023, 2024 e novamente em 2025.
Para o governo paulista, não se trata mais de episódios isolados, mas de um padrão de incapacidade operacional. Siga o @diariodesaojose.com.br no Instagram.
Histórico de falhas, multas e redução de estrutura
Durante a reunião, foram apresentados relatórios técnicos que sustentam o pedido. Dados do Tribunal de Contas do Município de São Paulo indicam que a Enel reduziu seu quadro de funcionários em mais de 51% nos últimos cinco anos, enquanto relatórios da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) apontam precarização da infraestrutura de distribuição.
No campo regulatório, o histórico também pesa contra a concessionária. Entre 2024 e 2025, a Enel registrou a maior média mensal de reclamações na Ouvidoria da Aneel entre as distribuidoras paulistas. Nos últimos sete anos, foram aplicadas multas superiores a R$ 400 milhões, sem que houvesse melhora estrutural efetiva na qualidade do serviço. Além disso, sete de 11 Planos de Resultados pactuados com a Aneel foram reprovados, reforçando a avaliação negativa do desempenho da empresa.
Atuação conjunta e pressão sobre a Aneel
O prefeito Ricardo Nunes destacou que a falta de estrutura e de capacidade de resposta da Enel ficou evidente diante de eventos climáticos extremos, justamente quando a resiliência do sistema deveria ser maior. Para ele, o pedido de caducidade tem como objetivo central proteger a população, que vem enfrentando longos períodos sem energia elétrica.
Já o ministro Alexandre Silveira enfatizou a importância da atuação federativa integrada. Segundo ele, União, Estado e Prefeitura estão “na mesma página” para que a Aneel instaure o processo de caducidade, com expectativa de uma resposta célere da agência reguladora. O processo, no entanto, envolve etapas técnicas, direito de defesa da concessionária e avaliação criteriosa dos impactos operacionais.
O que muda com um pedido de caducidade
Caso a Aneel aceite instaurar o processo, a Enel não perde automaticamente a concessão. A agência deverá abrir um procedimento administrativo, avaliar provas, ouvir a empresa e, só então, decidir se decreta ou não a caducidade. Se confirmada, o contrato é encerrado e o poder concedente precisa garantir a continuidade do serviço, seja por intervenção temporária, seja por nova licitação.
Por isso, o episódio ultrapassa os limites de São Paulo. O pedido reacende o debate sobre o modelo de concessões no Brasil, a capacidade das empresas privadas de responder a eventos climáticos cada vez mais extremos e o papel das agências reguladoras na fiscalização efetiva dos serviços essenciais.
Foto de capa: Divulgação/Agência SP











