Foto de capa: Ahmed Jihad Ibrahim Al-arini/Anadolu/Getty Images
A Faixa de Gaza atravessa o que as Nações Unidas classificam como “a crise de fome mais grave da história do território”. Em meio a ruínas, bloqueios e bombardeios contínuos, civis famintos têm sido forçados a escolher entre morrer de fome ou arriscar a vida em busca de alimentos. E essa busca, cada vez mais, se transforma em uma armadilha mortal.
Desde o fim de maio, mais de mil palestinos foram mortos por forças israelenses ao tentarem acessar ajuda humanitária, segundo a ONU. O novo sistema de distribuição de suprimentos alimentares — implantado por Israel e com apoio dos Estados Unidos — é operado pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF), entidade criada e coordenada pelo próprio governo israelense. Com apenas quatro pontos de entrega localizados em zonas militarizadas, o novo modelo substituiu a malha anterior de 400 pontos geridos pela ONU. O resultado: caos, aglomerações, tiros, feridos e mortos.
Ajuda que mata
Relatos de ONGs internacionais e da própria ONU apontam que a estrutura imposta pelo GHF está longe de cumprir os critérios mínimos de proteção e dignidade. Médicos Sem Fronteiras (MSF) afirma que os centros de distribuição da GHF mais se assemelham a campos cercados por vigilância armada, montes de terra e arame farpado. A entrada acontece de forma abrupta: paletes são despejados, as cercas são abertas e milhares de pessoas famintas se lançam, ao mesmo tempo, para conseguir o que for possível.
“Se as pessoas chegam cedo, são alvejadas. Se chegam tarde, também. Não existe hora segura para buscar comida”, denuncia Aitor Zabalgogeazkoa, coordenador de emergência da MSF. O resultado, segundo a organização, são feridos por balas todos os dias. Em apenas uma semana de junho, o hospital de campanha em Deir Al-Balah registrou um aumento de 190% no número de pacientes baleados. Já a clínica de Al Mawasi, voltada para atendimento básico, recebeu mais de 420 feridos desde o dia 7 de junho.
Caminhões parados, corpos caídos
Enquanto isso, mais de 6 mil caminhões com ajuda humanitária estão parados em fronteiras como Jordânia e Egito, aguardando autorização do exército israelense para entrar em Gaza. Mesmo os que conseguem atravessar a fronteira enfrentam dificuldades logísticas severas: estradas bombardeadas, escassez de combustível e ausência de garantias militares para a segurança das equipes. A ONU afirma que seriam necessários pelo menos 500 caminhões por dia para suprir minimamente a população de 2,1 milhões de pessoas em Gaza. Hoje, entram menos de 100.
O Cogat — braço logístico do exército israelense — afirma que os comboios estão disponíveis, mas aguardam coleta por parte das agências humanitárias. A ONU rebate: “Com frequência, civis que se aproximam dos caminhões são alvejados a tiros. Não há segurança, nem acesso garantido.”
Fome, trauma e silêncio internacional
A realidade nas tendas improvisadas é de esgotamento físico e psicológico. Crianças desnutridas, adultos famintos demais para cuidar dos filhos e profissionais de saúde que desmaiam por falta de alimento formam o retrato do colapso. “Não estamos à beira da fome. Estamos passando por ela”, alerta a médica Aseel Horabi, de Gaza.
“Se as pessoas chegam cedo, são alvejadas. Se chegam tarde, também. Não existe hora segura para buscar comida”, denuncia Aitor Zabalgogeazkoa, coordenador de emergência da Médicos Sem Fronteiras
A ONU acusa Israel de transformar a comida em arma de guerra, violando o direito humanitário internacional ao impor um sistema de escassez deliberada. “Essa ajuda está encharcada de sangue”, disse Hanan, mãe do jovem Ashraf, de 17 anos, baleado ao tentar buscar lentilhas para sua irmã.
Mesmo diante das evidências, a comunidade internacional mantém uma postura de inércia. Médicos Sem Fronteiras e outras organizações apelam pelo retorno imediato ao sistema coordenado pela ONU e por um cessar-fogo sustentado. “A ajuda não pode ser controlada por quem está em guerra. A assistência precisa ser neutra, digna e segura”, insiste a MSF.
Genocídio à luz do dia em Gaza
A crise humanitária em Gaza não é fruto do acaso. É, segundo analistas e organizações internacionais, o resultado direto de um projeto militarizado de controle absoluto, que usa a fome como ferramenta. A escalada da tragédia transforma cada ponto de entrega em Gaza em um campo de batalha onde, ao invés de munições, o povo luta por farinha, arroz e esperança.
A cada morte, a cada caminhão parado, a cada criança esquelética nos braços de pais famintos demais para cuidar, o mundo escreve mais uma linha na crônica do abandono.
E a pergunta que permanece, dia após dia, entre os escombros de Gaza é: até quando?












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