Em um mundo cada vez mais acelerado, hiperindividualista e digitalizado, escolher viver em comunidade parece, à primeira vista, um gesto fora do tempo. Mas a verdade é que essa opção tem crescido silenciosamente, especialmente entre quem passou dos 50. Para muitos, viver em comunidade tem se tornado mais do que uma alternativa de moradia: é uma nova forma de viver o presente, fazer amigos verdadeiros, cultivar vínculos consistentes e, quem sabe, reencontrar o amor.
Esse estilo de vida que conjuga autonomia com coletividade, privacidade com convivência tem atraído adultos maduros que não querem encarar a velhice em isolamento e buscam mais sentido na forma como vivem e com quem convivem. Em vez de esperar que o acaso traga novas conexões, eles estão deliberadamente construindo espaços e relações que favorecem o afeto, a escuta e o cuidado mútuo.
No Brasil, o número de casamentos entre pessoas com mais de 50 anos cresceu 60% na última década, segundo o IBGE. Ao mesmo tempo, surgem iniciativas como cohousings, vilas colaborativas, colivings e comunidades intencionais que oferecem algo mais precioso do que estrutura: a chance real de viver em comunidade. E com isso, viver bem. Viver acompanhado. Viver inteiro.
Estilo de vida em comunidade: uma resposta concreta à solidão
A escolha de viver em comunidade vem ganhando força especialmente entre pessoas acima dos 50 anos — faixa etária marcada por mudanças intensas, como a saída dos filhos de casa, aposentadoria, luto, doenças, divórcios ou até mesmo a ausência de vínculos significativos.
Segundo dados do IBGE, 10,2% dos brasileiros com 18 anos ou mais já receberam diagnóstico de depressão. Mas é entre os idosos que o problema atinge seu pico: 13,2% entre 60 e 64 anos; 11,8% entre 65 e 74 anos. O motivo? A solidão.
Ela não é apenas incômoda — é letal. Estudos associam o isolamento a maior risco de demência, perda cognitiva, doenças cardiovasculares e morte precoce. Não à toa, a OMS reconheceu a solidão como uma epidemia global. No Brasil, onde a população acima dos 60 cresce rapidamente, viver em comunidade pode ser mais do que tendência: pode ser solução de saúde pública.
O estilo de vida em comunidade tem sido redescoberto por quem compreende que conexões cotidianas — mesmo as mais simples — são fundamentais para a saúde emocional e mental. A solidão, que atinge milhões de brasileiros, especialmente os mais velhos, não é apenas um incômodo subjetivo: ela já é reconhecida como questão de saúde pública, associada ao aumento de depressão, distúrbios do sono e doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson.
A aposentada Marisa Fumanti, 66, viu a mãe definhar emocionalmente por viver sozinha. Agora, é uma das participantes da comunidade Bem Viver, em Mogi das Cruzes (SP), um projeto de cohousing voltado para pessoas com mais de 50 anos. “Desde que tinha 30 anos, sempre quis morar em comunidade. Trabalhei na educação a vida toda e sempre entendi que a capacidade regenerativa do ser humano está no coletivo”, afirma.
No projeto, os moradores terão casas térreas próprias, mas também espaços compartilhados como refeitório, ateliê, bar, piscina, hortas e sala de dança. O terreno é cercado de verde e o contato frequente entre vizinhos é incentivado. “Hoje somos amigos de infância”, diz Marisa sobre os novos companheiros de jornada. Para ela, esse estilo de vida não só previne o isolamento como proporciona uma velhice com mais alegria, saúde e trocas.
Estilo de vida comunitário também favorece o amor depois dos 50
Viver em comunidade após os 50 também abre caminhos inesperados para novas relações afetivas. A maturidade emocional, o autoconhecimento e a ausência de pressa criam um terreno fértil para amores mais conscientes, tranquilos e verdadeiros.
“Relacionamentos depois dos 50 são mais respeitosos e menos baseados em expectativas irreais. Há mais escuta, mais clareza sobre os limites e uma abertura maior para relações honestas”, explica a sexóloga Bárbara Meneses. Isso não significa ausência de paixão, mas sim a disposição de construir algo duradouro, com base em afinidades reais, não apenas em convenções.
O estilo de vida coletivo amplia o círculo social e favorece a espontaneidade, o que é essencial para quem deseja reencontrar o amor com leveza. Ambientes compartilhados como hortas, cozinhas coletivas, atividades em grupo, passeios ou jantares semanais tornam as interações mais naturais, sem a ansiedade dos encontros casuais ou das expectativas dos aplicativos de namoro.
Aliás, a combinação entre o digital e o presencial é outra tendência. Aplicativos como OurTime, voltados ao público 50+, têm ganhado adeptos que usam a tecnologia como porta de entrada, mas não abrem mão da convivência real. Segundo dados do Pew Research Center, quase 30% das pessoas entre 50 e 64 anos já utilizaram apps ou sites para conhecer alguém. No Brasil, quase 1 em cada 5 novos casais tem pelo menos um integrante nessa faixa etária.
Mas nem todo mundo quer buscar um novo amor, e tudo bem. A beleza do estilo de vida em comunidade é justamente permitir que cada um siga seu próprio ritmo, com liberdade e acolhimento. Muitos reencontram primeiro a amizade, depois o desejo, e só então, talvez, o amor. E mesmo quando ele não vem, a vida ainda pulsa com sentido, companhia e projetos compartilhados.
Estilo de vida coletivo é movimento social, afetivo e revolucionário
A adesão crescente ao estilo de vida em comunidade é também um gesto de rebeldia silenciosa diante de uma cultura que valoriza o isolamento como sinônimo de sucesso. É uma recusa ao envelhecimento solitário. Um retorno à essência social do ser humano. Uma nova forma de criar família, não necessariamente por laços de sangue, mas por afinidade, propósito e afeto.
Iniciativas como a Bem Viver, a ConViver (em Campinas) e outras cohousings pelo Brasil mostram que há um público maduro, ativo e consciente disposto a investir tempo, dinheiro e energia para viver de forma diferente e melhor. São pessoas que venderam apartamentos, mudaram de cidade, recomeçaram amizades e plantaram raízes onde antes só havia planos.
No exterior, comunidades intencionais também se multiplicam. Há casas como a Madre Teresa, nos Estados Unidos, onde jovens e adultos escolhem viver juntos por afinidade espiritual. Há vilas para mulheres com mais de 60 anos que cultivam hortas e cuidam umas das outras há mais de uma década. E há espaços como a Feÿtopia, nos arredores de Paris, que reúne pensadores, artistas e empreendedores para explorar novos modos de viver em sociedade.
Mais do que moradia, esses espaços são laboratórios de convivência. Lugares onde se reaprende a escutar, a colaborar, a discordar com respeito. São tentativas práticas de construir coletividade em tempos de fraturas. E são, também, um convite. Um convite para viver com mais sentido. Para conversar sem filtro. Para estar disponível para o outro — e para si mesmo. Para amar de novo, talvez. E, acima de tudo, para entender que o amor, depois dos 50, não precisa vir embrulhado no papel do passado.
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