Ciência

Terras raras colocam Brasil no centro da disputa geopolítica entre EUA e China, mas desafio vai além da extração

Com a segunda maior reserva do mundo, país vira alvo estratégico em meio a guerra comercial, mas ainda engatinha na produção e refino dos minerais que movem o futuro

Terras raras colocam Brasil no centro da disputa geopolítica entre EUA e China — e o desafio vai além da extração

O Brasil detém 21 milhões de toneladas de terras raras, o equivalente a cerca de 19% das reservas conhecidas no planeta. Esses minerais, compostos por 17 elementos químicos de nomes pouco conhecidos — como neodímio, lantânio, disprósio, térbio e ítrio — são essenciais para a produção de veículos elétricos, turbinas eólicas, equipamentos médicos, painéis solares, tecnologias de defesa, semicondutores e até smartphones.

A demanda global por esses elementos deve crescer mais de 60% até 2040, segundo relatório do banco UBS. E é justamente por isso que a pressão internacional sobre as reservas brasileiras aumentou. Em meio à tensão entre Estados Unidos e China, o Brasil entrou no radar como possível alternativa ao monopólio chinês, que controla mais de 70% da extração e 76% do refino mundial desses minerais.

Na última semana, o encarregado de negócios da embaixada dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, se reuniu com representantes do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e sinalizou interesse formal em firmar acordos com o país. A proposta também foi levada a Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro da Indústria e Comércio.

“Temos todo o nosso petróleo para proteger. Temos todos os minerais ricos que vocês querem para proteger. E aqui ninguém põe a mão. Este país é do povo brasileiro”, declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em evento na cidade de Minas Novas (MG), reforçando o discurso de soberania nacional diante das investidas externas.

A ciência das terras raras — e por que elas são valiosas

Apesar do nome, as chamadas “terras raras” não são exatamente raras na crosta terrestre, mas ocorrem em concentrações muito pequenas, o que torna sua extração e separação economicamente desafiadora. Os 17 elementos que compõem esse grupo são insubstituíveis em diversas cadeias produtivas modernas.

O destaque vai para a fabricação de ímãs permanentes, utilizados em motores elétricos, turbinas eólicas, discos rígidos, equipamentos de ressonância magnética e até mísseis teleguiados. Esses ímãs mantêm suas propriedades magnéticas por décadas, permitindo o desenvolvimento de componentes menores, mais leves e eficientes.

Para se ter uma ideia da importância econômica, enquanto o minério de ferro custa em média R$ 0,60 o quilo, o neodímio e o praseodímio — largamente utilizados na indústria de ímãs — chegam a R$ 353 o quilo. O térbio, mais raro, ultrapassa R$ 5.400 por quilo.

Entre discurso e prática: o Brasil ainda não refina

Apesar do vasto potencial geológico, o Brasil ainda não domina as etapas de refino e beneficiamento. Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o país produziu apenas 80 toneladas de terras raras em 2024 — enquanto o mundo extraiu 350 mil toneladas. Isso representa menos de 0,03% da produção global.

A falta de infraestrutura, incentivos fiscais, segurança jurídica e política industrial estruturada são os principais gargalos apontados por especialistas. Para o pesquisador Nélio Reis, autor do livro “Terras Raras, Poder e Independência”, o problema não é o minério, mas a ausência de estratégia de soberania tecnológica.

“O mundo não respeita quem tem o minério, respeita quem tem a tecnologia”, resume Reis.

“Na prática, estamos assistindo a um cabo de guerra simbólico, onde cada lado tenta marcar posição ideológica ou eleitoral, mas sem resolver o básico: transformar minério em tecnologia”, conclui o pesquisador.

O papel dos EUA e o risco de dependência

Desde 2020, os Estados Unidos tratam os minerais críticos como tema de segurança nacional. No governo Trump, foi assinada uma ordem executiva declarando emergência nacional no setor. E a guerra na Ucrânia reforçou essa estratégia: um fundo bilateral foi criado com o governo ucraniano para garantir o acesso americano às terras raras daquele país — mesmo sem estrutura de exploração ativa.

Agora, com Donald Trump de volta à presidência, os EUA buscam ampliar acordos com países como Brasil e Austrália para reduzir a dependência da China. No entanto, até o momento, nenhum plano concreto de produção conjunta ou transferência tecnológica foi firmado com o Brasil.

“Nem o governo brasileiro, nem os Estados Unidos apresentaram até agora um plano integrado de produção, refino e uso das terras raras brasileiras”, afirma Nélio Reis. “A narrativa anda mais rápido que os investimentos.”

As reservas brasileiras estão espalhadas por diversos estados:

  • Minas Gerais, Goiás e Bahia concentram os maiores volumes conhecidos.
  • A região da Bacia do Parnaíba, no Maranhão e Piauí, tem potencial inexplorado.
  • Minaçu (GO) é a única região fora da Ásia com produção em escala comercial.
  • O país também reivindica soberania sobre a Elevação do Rio Grande, uma formação submersa no Atlântico com alta concentração mineral.

Com reservas estratégicas em mãos e olhares globais atentos, o Brasil vive uma encruzilhada: seguir como exportador bruto ou buscar protagonismo tecnológico.

O Ministério de Minas e Energia já acenou com a criação de uma Política Nacional de Minerais Críticos, mas ainda não há cronograma definido. Sem investimento em refino, políticas de incentivo e formação de polos industriais, o país corre o risco de continuar como mero fornecedor de matéria-prima — abrindo mão do valor agregado e da soberania sobre seus recursos mais valiosos.

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