Ciência

O relógio da crise climática está acelerando e quase ninguém está pronto para ouvir

Relatórios científicos mostram que o mundo já ultrapassou 1,5°C de aquecimento e que os efeitos da crise climática se intensificam rapidamente, com impactos humanos, econômicos e ambientais irreversíveis

O relógio da crise climática está acelerando — e quase ninguém está pronto para ouvir

Os dados são claros e alarmantes: o planeta já aqueceu 1,52°C em relação aos níveis pré-industriais, ultrapassando o limite considerado seguro por cientistas do clima. O valor combina o aquecimento induzido pelo ser humano — estimado em 1,36°C — e a variabilidade natural do sistema climático. Essa nova medição integra o relatório Indicators of Global Climate Change, conduzido por uma equipe internacional de especialistas liderada pelo professor Piers Forster, da Universidade de Leeds. O documento reúne dados sobre concentração de gases de efeito estufa, eventos extremos, aumento do nível do mar e projeções de quanto tempo resta até que o orçamento de carbono global se esgote. Spoiler: menos de três anos.

“Não há dúvida de que estamos em águas perigosas”, alerta Forster. “O aquecimento já alcançado é suficiente para desencadear impactos significativos da mudança climática.”

O desafio, segundo os pesquisadores, é que mesmo com sinais tão evidentes, a resposta global continua lenta e fragmentada. Um exemplo: dos 197 países signatários do Acordo de Paris, apenas 25 haviam atualizado até julho de 2025 seus planos climáticos nacionais, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Juntos, esses países representam cerca de 20% das emissões globais. O restante, incluindo grandes emissores como China e Índia, segue sem apresentar metas compatíveis com a urgência da crise climática.

“Se tratássemos os dados climáticos como tratamos os relatórios financeiros, o pânico se instalaria após cada atualização terrível”, diz Forster. “Mas, no caso do clima, a velocidade das mudanças supera a velocidade dos dados — e das decisões.”

Crise climática avança mais rápido do que os compromissos

A crise climática não é mais um risco futuro. Ela está em curso e se intensificando, como mostrou a onda de calor extremo que atingiu a Europa no verão de 2025, com mortes registradas, escolas fechadas e pontos turísticos como a Torre Eiffel obrigados a interromper visitas. “O mundo está realmente caminhando para uma situação insustentável”, alertou Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

Segundo Astrini, o novo padrão de extremos climáticos torna chuvas, secas e ondas de calor mais prolongadas e intensas, afetando de forma mais severa as populações vulneráveis. “Nem sempre vai dar para se adaptar e, às vezes, quem se adapta é só quem tem dinheiro.” No Brasil, os efeitos já são visíveis: queimadas em florestas primárias da Amazônia, fumaça tóxica afetando cidades e prejuízos diretos à saúde e à economia.

Essa aceleração dos impactos ocorre em paralelo à estagnação política. O relatório científico mostra que, se mantido o ritmo atual de emissões, o orçamento de carbono para manter o planeta abaixo de 1,5°C será completamente consumido até 2028. Isso significa que cada tonelada adicional emitida aumenta a probabilidade de desastres irreversíveis.

“Cada décimo de grau que aumenta traz consequências gigantescas e violentas na vida das pessoas”, afirma Astrini. “Estamos falando de impactos reais, como aumento da conta de luz, escassez de alimentos e colapso de ecossistemas como a Amazônia.”

Atualização científica x lentidão política

A diferença entre o que a ciência já sabe e o que os governos têm feito é descrita como uma “lacuna perigosa” pelos autores do estudo. As NDCs, por exemplo, deveriam ser a principal ferramenta de alinhamento entre metas climáticas e políticas públicas. Segundo a ONU, se fossem bem implementadas, poderiam tirar até 175 milhões de pessoas da pobreza, impulsionar a resiliência econômica e acelerar a transição energética. Porém, poucas trazem compromissos concretos com a eliminação dos combustíveis fósseis — e muitas sequer mencionam justiça climática.

“A velocidade com que as coisas acontecem nas salinhas de conferência é muito menor do que o aquecimento do planeta impõe de castigo a todos nós na vida real”, resume Astrini.

A COP30, que será realizada em novembro em Belém (PA), é apontada por especialistas como uma oportunidade crítica para reverter esse cenário. Espera-se que os países ainda sem planos atualizados apresentem compromissos mais robustos e verificáveis. A presidência brasileira do G20 também pode influenciar o debate, já que o grupo responde por cerca de 80% das emissões mundiais. Até julho, apenas cinco membros haviam entregado suas metas para 2035: Brasil, Canadá, Estados Unidos, Japão e Reino Unido.

Ainda assim, os especialistas são enfáticos: a janela de ação para evitar os piores efeitos da crise climática está praticamente fechada. E, a cada mês de atraso, o custo humano e econômico aumenta.

“Nossa esperança é que os países apresentem planos ambiciosos bem antes da COP30. Isso pode finalmente fechar a lacuna entre o reconhecimento da crise climática e a ação decisiva para enfrentá-la”, diz Forster.

A ciência já cumpriu seu papel. Agora, o que falta — e está ficando cada vez mais caro — é vontade política.

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