Em tempos de agendas lotadas, múltiplas telas e cobranças silenciosas sobre como devemos amar, transar e performar nossos afetos, uma revolução íntima e silenciosa começa a ganhar força: a de que nem tudo em um relacionamento precisa girar em torno do sexo. Ou, mais profundamente, de que o sexo não é — e nunca foi — sinônimo de intimidade plena.
Essa percepção pode soar incômoda em uma cultura que mede a saúde de um casal pela frequência com que eles se tocam, se desejam e se “cumprimentam” entre quatro paredes. Mas, para especialistas e para quem já cansou de fingir espontaneidade em meio ao caos da rotina, o recado é claro: existem outras formas — mais sutis, menos performáticas e, muitas vezes, mais reais — de manter a conexão viva.
Intimidade emocional: aquilo que sobra quando o sexo falha
Intimidade emocional não tem a ver com nudez física. Tem a ver com vulnerabilidade mútua. É quando duas pessoas se encontram para além das demandas cotidianas, das obrigações parentais ou da logística da vida adulta. É quando você pode respirar sem se proteger — porque sabe que está seguro ali.
A sexóloga e psicóloga Bárbara Meneses resume bem: “É uma relação de transparência que tem abertura para diálogo, que tem respeito nesse diálogo, em que você não precisa ficar pensando no que vai dizer, porque sabe que tem espaço para ser compreendido.”
Construir essa intimidade demanda tempo, presença e intenção. E tudo isso é diamante puro em tempos onde estar ao lado nem sempre significa estar junto. A psicóloga alerta: muitos casais passam anos sob o mesmo teto, mas sem real encontro emocional — e isso é mais nocivo do que a ausência de sexo propriamente dita.
Sexo não é obrigação. É escolha. E, às vezes, é pausa.
Uma das pressões mais sufocantes dentro das relações está na ideia de que a frequência sexual define a qualidade do vínculo. Mas especialistas em sexualidade, como a americana Emily Nagoski, autora dos best sellers Come As You Are e Come Together, vêm desmistificando esse mito. Segundo ela, um casal que transa poucas vezes, mas com prazer e conexão real, é emocionalmente mais saudável do que aquele que faz sexo toda semana sem vontade — apenas para “não deixar esfriar”.
O nome disso? Sexo por obrigação.
Segundo Nagoski, isso não apenas não melhora a relação, como pode causar ressentimento, desgaste e sensação de invisibilidade. “A frequência não deve ser o principal indicador de satisfação sexual. O mais importante é que o sexo, quando acontecer, seja desejado pelas duas pessoas”, afirma.
Agendar o prazer: o tabu do sexo com hora marcada
Se a espontaneidade virou um luxo, os casais estão aprendendo a acolher a organização como aliada da intimidade. Celebridades como Lázaro Ramos, Alinne Moraes e Mônica Martelli já revelaram que reservam dias e horários para momentos de prazer com seus parceiros. E não há nada de robótico nisso — muito pelo contrário.
“Assim como você marca terapia, reunião ou uma aula de yoga, por que não marcar o que também é essencial para o seu bem-estar afetivo?”, questiona Mônica Martelli.
“Os casais com vida sexual mais satisfatória são aqueles que falam naturalmente sobre o tema — como quem fala sobre um hobby compartilhado”, diz Emily Nagoski, sexóloga e autora amerciana
Marcar o sexo não significa transformá-lo em tarefa, mas sim, reconhecê-lo como prioridade. É um esforço consciente de manter o desejo vivo mesmo quando tudo conspira contra. E, em muitos casos, só o fato de reservar esse tempo já é o que mantém o vínculo aceso.
E quando o sexo some?
Muitas relações atravessam períodos sem sexo. Por cansaço, por luto, por crises pessoais, por incompatibilidades hormonais ou apenas porque o corpo e o desejo mudam — e está tudo bem. Desde que haja comunicação. Desde que os silêncios não virem paredes. Desde que o afeto não se dissolva.
Há casais que se amam profundamente e vivem momentos longos de abstinência. E há casais que se tocam todos os dias, mas não sabem mais como olhar um ao outro. Qual desses está em crise? A resposta não é numérica — é qualitativa.
O problema é que a cultura ainda dita que se não há sexo, algo está errado. E essa narrativa apaga o valor de outros afetos: a cumplicidade, o cuidado, o riso, o apoio mútuo, o silêncio confortável. Sexo é importante, mas não é tudo. E, em alguns ciclos da vida, não é nem prioridade.
Não saber falar sobre sexo é mais comum do que parece
Uma das maiores barreiras dentro das relações adultas é a comunicação sexual. Muitos casais nunca aprenderam a falar sobre o que gostam, o que não gostam, o que desejam, o que temem. E isso tem um preço.
Emily Nagoski afirma que “os casais com vida sexual mais satisfatória são aqueles que falam naturalmente sobre o tema — como quem fala sobre um hobby compartilhado”. Mas, para a maioria das pessoas, sexo ainda é tabu, até mesmo com quem divide a cama.
Dois medos travam esse diálogo: o de ferir o outro e o de ser julgado. Por isso, a autora recomenda começar com o que chama de “a conversa sobre a conversa”, um pacto de comunicação segura para que os dois possam se expressar sem medo de rejeição.
Sexo com propósito é liberdade
A grande virada de chave está em entender que sexo não precisa seguir um roteiro. Não precisa acontecer de um jeito, com uma frequência, com uma narrativa hollywoodiana. Não precisa ser espontâneo, performático, quente o tempo todo. Precisa ser verdadeiro. e isso exige presença emocional.
Casais que se admiram, que têm prazer em estar juntos, que se divertem, que cuidam um do outro — esses, quando fazem sexo, vivem mais do que prazer: vivem confiança. E, quando o sexo não acontece, continuam conectados. Não se trata de abrir mão do desejo, mas de libertá-lo da culpa e da régua alheia.
Sim, sexo é uma parte importante do relacionamento. Mas ele não é a única nem sempre a mais urgente. Intimidade se constrói com atenção, com presença, com escuta. Às vezes, com um toque. Outras vezes, com um silêncio que acolhe. Com um “tudo bem se hoje não der”. Com um “te amo” que vem antes do corpo e permanece depois dele.
Em um mundo que cobra tanto desempenho, permitir-se viver o prazer com calma é um ato de coragem.
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