Felicio Ramuth deixou a Prefeitura de São José dos Campos em 2022 com um saldo raro na política brasileira: dois mandatos consecutivos, a maior votação da história do município em 2016 e índices de aprovação que beiravam os 80% no fim da gestão, segundo os dados oficiais do governo paulista. Ao aceitar ser vice de Tarcísio de Freitas na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, em 2022, o ex-prefeito levou para a chapa um capital político construído no Vale do Paraíba e uma imagem de gestor técnico, moderado e afeito ao diálogo. Desde 2023, esse perfil vem sendo testado em escala estadual e, cada vez mais, em um contexto nacionalizado pelo nome de Tarcísio. Siga o @diariodesaojose.com.br no Instagram.
Às vésperas de 2026, com a direita reorganizando suas peças após a condenação de Jair Bolsonaro e com o governador de São Paulo sendo ventilado como presidenciável, o papel de Felicio deixou de ser apenas o de um coadjuvante leal. Ele é apontado por parte da imprensa e de bastidores como opção ao governo paulista caso Tarcísio decida disputar a Presidência, e, ao mesmo tempo, é visto como peça-chave na costura interna de partidos como PSD, Republicanos, União Brasil e Progressistas. Para São José dos Campos, que já colhe frutos da proximidade com o ex-prefeito e com o atual prefeito Anderson Farias, essa movimentação abre um leque de possibilidades – das mais discretas às mais ambiciosas.
De São José ao centro do jogo
A trajetória de Felicio é, em boa parte, inseparável de São José dos Campos. Vindo de longa militância no PSDB, ele se elegeu prefeito em 2016, comandou obras de grande visibilidade, como a ponte estaiada e a Via Cambuí, promoveu ajustes fiscais e consolidou uma marca de gestão que combinava discurso de eficiência com forte investimento em mobilidade urbana e projetos estruturantes. Em 2020, foi reeleito no primeiro turno, tendo Anderson Farias como vice – aliança que se manteve quando Anderson assumiu a cabeça da chapa em 2024, com o apoio decidido de Felicio.
Em 2022, já filiado ao PSD, ele aceita o convite de Gilberto Kassab para compor a chapa com Tarcísio de Freitas. O acordo deu ao então candidato ao governo um vice experimentado em gestão municipal e profundamente identificado com o interior paulista, ao mesmo tempo em que colocou o PSD em posição privilegiada na engrenagem do poder estadual. Para São José, significou algo simples e poderoso: ter seu ex-prefeito sentado na cadeira imediatamente abaixo do governador.
Nos últimos meses, Ramuth foi escalado para tarefas de alto risco político, como ser a voz do governo paulista na pauta da Cracolândia, tema que mistura segurança, saúde pública, vulnerabilidade social e disputa narrativa. Em entrevista divulgada pelo próprio PSD, o vice cravou a frase: “A Cracolândia acabou e não voltará”, atribuindo o novo cenário a uma combinação de internações, acolhimentos e criação de casas terapêuticas na capital. A fala mostra o tamanho da vitrine em que Felicio está – e o grau de exposição que passa a carregar.
Tarcísio na vitrine nacional, Felicio na fila de espera
A condenação de Jair Bolsonaro e a consequente inelegibilidade colocaram a direita diante de um dilema: quem será o nome viável para 2026? Pesquisas e análises recentes apontam Tarcísio de Freitas como o principal candidato a ocupar esse espaço, caso o ex-presidente permaneça fora do jogo.
Em entrevista à CNN, o próprio Felicio admitiu que o governador pode, sim, aceitar um convite para a disputa presidencial, desde que haja uma mobilização consistente em torno do nome dele. Ao mesmo tempo, fez a ressalva de que ainda é “cedo para cravar qualquer posição” e reforçou que o foco atual de Tarcísio é o governo de São Paulo.
Se Tarcísio decidir concorrer à Presidência, terá de deixar o cargo seis meses antes da eleição. Nesse cenário, Felicio assume o comando do estado, com a caneta e o orçamento do maior orçamento estadual do país nas mãos por cerca de oito meses. É um período curto demais para uma revolução, mas longo o suficiente para consolidar imagem, assinar convênios, inaugurar obras e afinar, na prática, o discurso de gestor estadual.
Para São José dos Campos, esse interregno pode significar um “fast track” em pautas que hoje dependem de negociações mais morosas: recursos para infraestrutura, novos projetos de mobilidade, ampliação de investimentos em educação técnica, saúde regionalizada, habitação e inovação. Na lógica do jogo, ter um governador que conhece a cidade por dentro e tem uma aliança sólida com o prefeito Anderson Farias é um ativo que poucos municípios terão em 2026.
Felicio candidato ao governo: força real ou plano B de luxo?
Nos bastidores, reportagens da CNN já colocam Felicio como opção ao governo de São Paulo em 2026 diante das resistências a outros nomes, como o próprio Kassab e o prefeito paulistano Ricardo Nunes. As queixas vão desde desgastes acumulados por movimentos de filiação em massa de prefeitos pelo PSD até temores sobre o que seria deixar a capital nas mãos de um vice por quase três anos, no caso de Nunes.
Nesse quadro, o vice-governador aparece como alternativa “neutra”: não é o dono da máquina partidária como Kassab, nem carrega sozinho o peso das polêmicas da maior cidade do país, como Nunes. Traz na bagagem um currículo de executivo municipal bem avaliado, histórico de diálogo com diversas legendas, trânsito com prefeitos e uma chancela que pesa: a de Tarcísio, se ela de fato vier.
Se a candidatura ao governo se concretizar, São José reencontrará em 2026 um cenário familiar: o de ser o berço político do candidato. A cidade tende a virar palco de grandes atos, anúncios e compromissos, com reflexos diretos na pauta de obras e investimentos. Para a aliança Felicio–Anderson, isso pode significar reforçar a hegemonia local do grupo ligado ao PSD, consolidando uma narrativa de “case de gestão” exportado do Vale do Paraíba para o estado.
Há, porém, riscos evidentes. Se Felicio entrar na disputa e perder, volta para o final da fila em um ambiente político altamente fragmentado. E, se entrar na disputa já investido como governador-tampão, terá de equilibrar a tentação de privilegiar bases eleitorais – como São José – com o risco de ser acusado de governar para poucos.
E se ele não for candidato? Senado, Câmara e o caminho de volta a São José
Nem sempre o passo seguinte é o mais óbvio. Se, por cálculo próprio ou por arranjo de forças, Felicio não for o nome para o governo em 2026, o cardápio ainda é vasto: pode mirar uma vaga na Câmara dos Deputados, no Senado ou até optar por ficar na retaguarda, preservando-se para uma outra janela.
Uma cadeira no Congresso, especialmente no Senado, poderia dar a ele visibilidade nacional, tempo de mandato mais longo e a possibilidade de atuar como ponte entre Brasília e São Paulo – e, por tabela, entre Brasília e São José dos Campos. Para a cidade, seria ter um representante com DNA joseense e experiência de executivo operando em Brasília, disputando recursos, articulando emendas e defendendo pautas regionais. Entre agora no canal oficial do Diário no Whatsapp e receba notícias em tempo real.
Ao mesmo tempo, há um subtexto importante: um político com perfil e histórico executivo como o de Felicio nunca está completamente desligado da hipótese de voltar a disputar cargos majoritários, inclusive em São José. Hoje, não há um nome naturalmente colocado como “herdeiro óbvio” do grupo do PSD para comandar a cidade depois de Anderson Farias. A forma como 2026 se desenhar – com ou sem candidatura estadual, com ou sem mandato em Brasília – pesará diretamente no papel que Felicio poderá desempenhar na disputa municipal de 2028 ou adiante, seja como padrinho, seja, em um cenário mais remoto, até como candidato.
O tabuleiro de 2028: Anderson, hegemonia e sucessão em São José
Se 2026 é o ano de Felicio em nível estadual, 2028 é o ano de Anderson Farias em São José dos Campos. Reeleito, ele terá a missão de indicar um sucessor se quiser manter a hegemonia do grupo no Paço Municipal. Esse sucessor não será escolhido em uma sala fechada: será produto da força do PSD local, da imagem da dupla Anderson–Felicio perante o eleitorado e, sobretudo, do lugar que o ex-prefeito e atual vice-governador ocupará no mapa político na virada de 2027 para 2028.
Se, até lá, Felicio tiver sido governador-tampão bem avaliado ou tiver se projetado como senador ou deputado influente, seu peso como fiador do próximo nome tende a ser decisivo. Se, ao contrário, 2026 resultar em uma aposta frustrada ou em um período de desgaste, abre-se espaço para novas lideranças internas e externas disputarem o comando de São José, inclusive de outros campos ideológicos.
Enquanto isso, a cidade segue no meio do tabuleiro: importante demais para ser ignorada, mas dependente da capacidade de seus atores locais lerem o contexto estadual e nacional com frieza, sem confundir desejo com realidade.
O que São José tem, de fato, a ganhar
No fim, a grande pergunta não é se Felicio será candidato ao governo, se Tarcísio será presidenciável ou se Bolsonaro seguirá inelegível. A pergunta que interessa ao eleitor joseense é outra: com qualquer que seja o desfecho em 2026, São José dos Campos terá uma posição melhor ou pior na fila de prioridades do Palácio dos Bandeirantes e, eventualmente, de Brasília?
Ter um ex-prefeito como vice-governador, possível governador-tampão, potencial candidato e nome em conversas nacionais é, objetivamente, uma vantagem competitiva. Não garante nada por si só, mas abre portas. Também fortalece a aliança com Anderson Farias e aumenta a responsabilidade desse grupo em entregar resultados concretos, não apenas discursos, à cidade.
Até lá, o que existe são cenários, probabilidades e muito jogo de cena. Mas, de todos os municípios paulistas, poucos têm tanto em jogo quanto São José dos Campos quando o assunto é 2026 e o futuro de Felicio Ramuth.
Foto de capa: Danilo Verpa/Folhapress











