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De Itaquera à Casa Branca: Moraes cruza a terça entre vaias, dedo do meio e sanção usada contra ditadores

Moraes é incluído na Lei Magnitsky por supostas violações de direitos humanos; gesto no estádio durante clássico Corinthians x Palmeiras amplia repercussão sobre um dos dias mais incomuns de sua carreira pública

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi alvo, na terça-feira (30), de uma medida incomum na história da diplomacia internacional: a inclusão na lista de sanções da Lei Global Magnitsky

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi alvo, na quarta-feira (30), de uma medida incomum na história da diplomacia internacional: a inclusão na lista de sanções da Lei Global Magnitsky, mecanismo criado pelos Estados Unidos para punir indivíduos acusados de envolvimento em graves violações de direitos humanos ou corrupção significativa.

A inclusão de Moraes no rol de sancionados implica, de forma automática, o bloqueio de ativos financeiros sob jurisdição dos Estados Unidos, a proibição de entrada no país e a restrição de qualquer relação comercial com instituições americanas. A justificativa apresentada na nota oficial do Tesouro alega que o ministro brasileiro conduziu “uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro”.

Embora o alcance prático da sanção seja limitado — não há informações de que Moraes mantenha bens nos EUA ou relações comerciais diretas com o sistema financeiro norte-americano — o efeito simbólico e diplomático foi imediato. A medida foi aplicada com base na Global Magnitsky Human Rights Accountability Act, sancionada em 2016, que desde então já foi usada contra centenas de alvos ligados a regimes autoritários, incluindo líderes da Rússia, Mianmar, Venezuela e Belarus.

Gesto no estádio amplia repercussão sobre o caso

Na mesma noite em que a sanção foi divulgada, Alexandre de Moraes esteve presente na Neo Química Arena, em São Paulo, onde acompanhou o clássico entre Corinthians e Palmeiras. Durante a partida, o ministro foi reconhecido por torcedores, vaiado, e respondeu com um gesto obsceno, levantando o dedo do meio. A cena foi registrada por celulares na arquibancada e viralizou nas redes sociais.

Alexandre de Moraes reage com “dedo do meio” às provocações de parte dos torcedores corinthianos durante partida da Copa do Brasil na Neo Química Arena, em São Paulo, na noite desta quarta-feira, dia 30. Foto: Alex Silva/Estadão Conteúdo

O episódio rapidamente passou a ser associado, em tom de especulação e interpretação pública, à sanção anunciada horas antes. Moraes não se pronunciou oficialmente sobre o episódio nem sobre a sanção norte-americana até o fechamento desta reportagem. Sua presença no estádio, o gesto diante das câmeras e o silêncio institucional mantido desde então adicionaram mais um elemento à jornada de um dia que já se mostrava incomum.

Reações divididas entre repúdio diplomático e comemoração política

A resposta institucional brasileira veio de forma direta. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou nota oficial afirmando que a sanção representa um ataque à soberania nacional e declarou apoio ao ministro.

“O Brasil se solidariza com o ministro Alexandre de Moraes, que é alvo de sanções motivadas por ações de políticos brasileiros que traem o nosso país e o nosso povo”, disse Lula em comunicado.

A Controladoria-Geral da União classificou o episódio como “um ato político inaceitável, grave e sem precedentes”. Já o ministro do STF Gilmar Mendes afirmou que “a independência do Poder Judiciário brasileiro é um valor inegociável”. O Supremo divulgou nota oficial em nome da Corte e bastidores indicam que outros ministros também consideraram a medida uma interferência indevida nas instituições brasileiras.

Em razão das sanções aplicadas ao Ministro Alexandre de Moraes, um dos seus integrantes, o Supremo Tribunal Federal vem se pronunciar na forma abaixo:
1 . O julgamento de crimes que implicam atentado grave à democracia brasileira é de exclusiva competência da Justiça do país, no exercício independente do seu papel constitucional.
2. Encontra-se em curso, perante o Tribunal, ação penal em que o Procurador-Geral da República imputou a um conjunto de pessoas, inclusive a um ex-Presidente da República, uma série de crimes, entre eles, o de golpe de Estado.
3. No âmbito da investigação, foram encontrados indícios graves da prática dos referidos crimes, inclusive de um plano que previa o assassinato de autoridades públicas.
4. Todas as decisões tomadas pelo relator do processo foram confirmadas pelo Colegiado competente.
5. O Supremo Tribunal Federal não se desviará do seu papel de cumprir a Constituição e as leis do país, que asseguram a todos os envolvidos o devido processo legal e um julgamento justo.
6. O Tribunal manifesta solidariedade ao Ministro Alexandre de Moraes.

– diz nota do Supremo Tribunal Federal sobre sanções dos EUA ao Ministro Alexandre de Moraes.

No Congresso, a reação foi dividida. Parlamentares da base do governo manifestaram apoio ao ministro e criticaram a medida como “uso político de um instrumento internacional”. Por outro lado, deputados e senadores ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro comemoraram publicamente. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) escreveu nas redes sociais que “o mundo começa a ver o que nós já sabíamos”. Já o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) declarou que “a sanção é histórica e expõe o autoritarismo togado que vive o Brasil”.

A polêmica também gerou manifestações fora do país. William Browder, empresário e ativista responsável pela campanha internacional que inspirou a Lei Magnitsky, afirmou que, na sua avaliação, Moraes “não se enquadra em nenhuma das duas categorias visadas pela lei: corrupção ou violações extremas de direitos humanos”. A organização Transparência Internacional declarou que a aplicação da medida neste caso representa “um uso indevido da Lei Magnitsky com objetivos políticos”.

Sem impacto prático imediato, mas com efeito simbólico elevado

Apesar da amplitude da repercussão, os efeitos práticos da sanção sobre Moraes ainda são limitados. Não há registro público de contas bancárias, investimentos ou propriedades em solo americano em nome do ministro. Também não há previsão de viagens oficiais de Moraes aos Estados Unidos. No entanto, por se tratar de uma medida sancionatória internacional com base em uma legislação de impacto geopolítico, a sanção se torna um ponto sensível na relação entre os dois países.

A expectativa agora é de que o Ministério das Relações Exteriores conduza tratativas com a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil. Até o momento, o Itamaraty não emitiu nota própria, mas fontes da diplomacia brasileira confirmaram que o episódio será tratado diretamente com o corpo diplomático norte-americano, ainda que sem intenção de escalada pública.

A Global Magnitsky Act, usada como base para a sanção, foi aprovada pelo Congresso americano com o objetivo de responsabilizar agentes estatais e privados por violações severas a direitos humanos e por atos de corrupção transnacional. Sua aplicação tem sido comum contra autoridades de regimes considerados autoritários, como Nicolás Maduro (Venezuela), Alexander Lukashenko (Belarus) e altos oficiais militares de países em guerra civil ou repressão institucional.

No caso brasileiro, é a primeira vez que um integrante do Supremo Tribunal Federal é incluído na lista de sanções internacionais dos EUA. O episódio levanta discussões não apenas sobre os limites da atuação do Judiciário no Brasil, mas também sobre o uso diplomático de leis extraterritoriais como instrumento de pressão política entre Estados formalmente democráticos.

O que muda na vida de Alexandre de Moraes com a sanção dos EUA

A sanção aplicada ao ministro Alexandre de Moraes pela Lei Global Magnitsky pode não ter efeitos imediatos visíveis no Brasil, mas tem implicações concretas no âmbito financeiro e digital, especialmente envolvendo empresas e instituições ligadas aos Estados Unidos.

A lei, com foco principal em sanções econômicas, determina o bloqueio de quaisquer bens, contas bancárias ou ativos que o ministro eventualmente possua nos EUA. Também proíbe a entrada no país e restringe totalmente qualquer tipo de transação com empresas norte-americanas ou com instituições estrangeiras que operem sob jurisdição americana. Isso inclui tanto o envio quanto o recebimento de fundos, bens ou serviços.

Com isso, Moraes está legalmente impedido de manter relações com bancos internacionais conectados ao sistema financeiro dos EUA, assim como com empresas como Google, Apple, Meta (Facebook, Instagram), Microsoft, Uber, Visa, Mastercard, PayPal, entre outras. Em tese, a restrição pode impactar desde serviços de pagamento digital (como Apple Pay e Google Pay) até transações em plataformas de streaming, transporte ou e-commerce.

Segundo especialistas ouvidos pela imprensa, ainda não há definição sobre se a medida levará à suspensão de contas pessoais em redes sociais, mas existe precedente. Em 2017, o Facebook e o Instagram desativaram os perfis de Ramzan Kadyrov, líder da Chechênia, após sua inclusão na mesma lista. Por outro lado, perfis de Nicolás Maduro e outros sancionados foram mantidos ativos.

Mesmo plataformas de compras e câmbio podem ser afetadas. Como boa parte das transações internacionais passa pelo dólar americano — mesmo quando o destino final envolve outra moeda —, Moraes poderia ser impedido de realizar compras online ou operações de câmbio devido ao envolvimento do sistema financeiro dos EUA nas etapas intermediárias.

Foto de Capa: Divulgação/STF. Foto de matéria: Alex Silva/Estadão Conteúdo

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