Comportamento

Depois da adultização, vem a infantilização: adultos de chupeta viralizam

Popularizado na China e disseminado por redes sociais, hábito desperta reflexões clínicas sobre regressão emocional e influência digital na formação de comportamentos

Depois da adultização, vem a infantilização: adultos de chupeta viralizam

O uso de chupetas por adultos, prática que ganhou visibilidade na China e começa a se expandir para outros países, vem despertando discussões sobre o impacto de tendências digitais na saúde mental. Inicialmente popularizada em plataformas como TikTok e Taobao, a prática é apresentada como estratégia para lidar com estresse, ansiedade e abstinência de nicotina.

As chamadas “chupetas adultas” são produzidas em silicone ou borracha e vendidas por valores que variam de R$ 8 a R$ 350, conforme o modelo. Muitos usuários relatam que o objeto proporciona sensação de segurança emocional, favorece o sono e diminui a inquietude. Há também relatos de que o hábito remete ao conforto da infância e reduz sintomas de abstinência em pessoas que tentam parar de fumar.

Para a psicóloga Maria Klien, o fenômeno pode ser compreendido à luz de mecanismos regressivos, em que o indivíduo busca, de forma inconsciente, reviver estados associados a períodos de menor exigência emocional.

“A busca por objetos que remetem à infância pode funcionar como recurso de autorregulação emocional. No entanto, é preciso considerar que tal estratégia não atua sobre as causas da ansiedade, podendo gerar dependência psicológica e dificultar o desenvolvimento de recursos internos mais maduros”, destacA Maria Klien.

A popularização da prática ocorre em um cenário marcado pela hiperconectividade, onde tendências se disseminam em escala global em questão de horas. O ambiente digital, ao amplificar comportamentos que geram curiosidade ou sensação de pertencimento, potencializa a adoção de hábitos sem que haja reflexão aprofundada sobre seus impactos.

“Quando um comportamento viraliza, especialmente em plataformas que operam por estímulos visuais rápidos, a adesão pode ocorrer por imitação, sem avaliação crítica sobre riscos e benefícios. Essa dinâmica reforça a importância de desenvolver consciência emocional e discernimento, para que escolhas não sejam guiadas apenas pela pressão social ou pelo imediatismo das redes”, conclui Maria Klien.

Especialistas alertam que, embora objetos de conforto possam ter efeito calmante momentâneo, eles não substituem acompanhamento psicológico para lidar com quadros de ansiedade. Intervenções terapêuticas oferecem caminhos mais consistentes para o fortalecimento emocional e a prevenção de recaídas em hábitos que funcionam como paliativos.

O debate sobre as chupetas adultas, portanto, extrapola a análise de um modismo e abre espaço para reflexões sobre o papel das redes sociais na construção de padrões de comportamento. A exposição constante a conteúdos que exploram vulnerabilidades humanas reforça a necessidade de políticas públicas, educação emocional e diálogo aberto sobre saúde mental no ambiente digital.

Enquanto o fenômeno segue em expansão e conquista novos adeptos em diferentes países, a discussão sobre seus efeitos psicológicos continuará a demandar análises que considerem não apenas a superfície do hábito, mas as dinâmicas internas e sociais que o sustentam.

Entre a infância e a ansiedade, moda expõe fragilidades adultas

Um levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que mais de 300 milhões de pessoas no mundo convivem com transtornos de ansiedade, e o Brasil lidera o ranking entre os países com maiores índices da América Latina. Esse cenário cria terreno fértil para a adoção de soluções rápidas, ainda que controversas, que prometem alívio imediato sem necessariamente atacar as raízes do problema.

A busca por estratégias de “autorregulação emocional” por meio de objetos de conforto não é inédita. Nos Estados Unidos, por exemplo, já há registros de crescimento do mercado de “adult pacifiers” em plataformas como Amazon e Etsy, onde o discurso de marketing combina estética “fofa” com promessas de relaxamento. Ao mesmo tempo, profissionais da saúde alertam que a medicalização excessiva e o consumo de gadgets de bem-estar refletem uma cultura de atalhos psicológicos cada vez mais presente.

No campo cultural, estudiosos associam a prática à tendência chamada “kidult” — termo que descreve adultos que consomem produtos, hábitos e símbolos da infância como forma de escapar da dureza do cotidiano. Esse comportamento, que vai desde a febre dos brinquedos colecionáveis até o consumo de desenhos animados voltados a gerações mais velhas, encontra nas chupetas adultas um símbolo ainda mais extremo e polêmico.

Não por acaso, psicólogos e educadores vêm reforçando a necessidade de uma alfabetização emocional que prepare crianças e adolescentes para lidar com frustrações, pressões sociais e o bombardeio de estímulos digitais. Afinal, a proliferação de modismos como esse mostra que a ansiedade não encontra fronteiras de idade, classe social ou geografia, e que a ausência de estratégias estruturais de cuidado abre espaço para modas passageiras com efeitos duvidosos.

A banalização de objetos de infância como ferramenta de enfrentamento do estresse adulto também expõe um paradoxo da era digital: enquanto a sociedade cobra produtividade, resiliência e performance ininterrupta, cresce ao mesmo tempo a busca por símbolos de fragilidade e acolhimento. A chupeta, nesse sentido, funciona quase como um protesto silencioso contra a vida adulta, uma recusa em aceitar o peso de responsabilidades que parecem cada vez mais insuportáveis.

Não é coincidência que esse tipo de prática floresça em um momento em que a estética da vulnerabilidade é altamente rentável nas redes sociais. Do “cozy lifestyle” ao “trauma dumping”, narrativas que exploram a fragilidade humana viraram conteúdo, engajamento e até nicho de mercado. O adulto de chupeta, portanto, não é apenas alguém tentando se acalmar, mas também um retrato de como a cultura digital transforma angústias íntimas em espetáculo público, sem que haja espaço real para reflexão ou amadurecimento.

Foto: Divulgação

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